Guilherme Zarvos nasceu em São Paulo no dia 23 de março de 1957, mas vive no Rio de Janeiro desde os dois anos de idade. Formou-se em Economia, fez mestrado em Ciências Sociais e Doutorado em Letras pela Puc – Rio. Trabalhou com Darcy Ribeiro, que o queria como político, mas Guilherme optou alguma coisa com poesia. Foi um dos fundadores do CEP 20000. É uma figura controversa, provocadora, generosa e muito peculiar no cenário poético do Rio de Janeiro e continua atuando no que faz melhor.
MONTE PASCOAL
Daqui de cima do Monte Pascoal viu. Neste
bosque encantado, nesta floresta que é parque
quando tudo era parque – correu morro: trinta
quilômetros. lá de cima havia enxergado. o
coração desejava explodir, o pé precisava voar
- ar pulmão ar – queria chegar na praia, em
Corumbau e conferir: nunca vira Deus tão lindo.
correu por meio de ipê caixeta pinha cupuba
gameleira pau-brasil sapucaia jacarandá oiti
pequi e deixou marcas das solas ligeiras no
manto tapete amarelo na trilha que tantas vezes
percorreu e nem sentiu o perfume doce da
floresta que ontem chovera. era manhã e
orvalhava e ele não viu os pingos ainda
agarrados nas folhas em todos os tons semitons
verdes que dependem das mudanças das horas
do dia e o do tempo e da Terra e das marcas dos
raios de sol. E uma codorna passou mansinha
e tentou lhe avisar que não se apressasse e outros
bichos tentaram lhe pedir que não fosse, gritando
estridentes, uivando, que parasse – ar ar pulmão
eu lhe estouro mas quero chegar – e correu como
nunca, em nome de todos os seus Deuses, de
todas as suas mulheres, não muitas, na sua
juventude. O corpo rijo acostumado à caça à
derrubada ao sexo às guerras aos jogos
correspondia. porém a Impaciência já havendo
lhe tomado exigia mais: passou batido por
borboletas brancas amarelas azuis que
aspiravam por enfeitar acariciar seu braço
guerreiro como só Bela sabia, mas não era a hora.
Apenas a praia lhe interessava e num descuido
uma raiz traiçoeira passou-lhe uma banda e o
guerreiro caiu de boca no chão, no tapete de
folhas de sêmen de óvulo de adubar terra, e um
sapo o encarou: dez centímetros era a distância.
não cuspiu, não era disso. tinha a cor das folhas.
caleidoscópio se protegia dos inimigos. o sapo
não falou absolutamente nada já que não era
um sapo falante mas o encarou preenchido – na
completa imobilidade de sapo que encara – e
Zinho, por alguns segundos, não pensou na areia
que precisava alcançar e lembrou de seu avô,
do olhar grave de tuxaua em momentos de
decisão. de tomar rumo, de falar o que o Tempo
lhe ensinou. a cara do sapo esculpida por pai e
mãe e pai e mãe e pai e mãe do sapo, dez
centímetros de seus olhos, o hipnotizava e ele
deitado de bruços, corpo todo no chão tapete de
folhas, por um minuto permitiu que maus
pressentimentos dominassem sua cabeça. o
corpo do forte fraquejou. foram apenas estes
segundos e o corpo do forte já corria e Fantasia
e Impaciência eram novamente suas donas e
Zinho já avistava a praia e não era só ele ali:
toda a aledeia, do mais velho à mais pequenininha
se grudava perto da água dentro da água para
ver:
A Fundação do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário